A
Margarete, filha de pai industriário de fábrica de calçados, é
natural de Montenegro, mas morou em vários lugares como Montenegro,
Portão, Campo Bom e Scharlau. Teve seu primeiro filho muito cedo,
com 14 anos e o Júlio, meu aluno, com 19. Passou muitas
dificuldades, pois o pai dos meninos bebia e não queria saber muito
de trabalho. Ela, por sua vez, fazia faxinas, porquenão tinha muito
estudo, e até precisou se prostituir para poder sustentar os meninos
quando não consegui serviço. Tentou fugir dessa situação muitas
vezes, mas não conseguia. Quando conseguiu ir para a casa de uns
parentes, o ex-companheiro roubou o Júlio e o escondeu por um ano.
Durante esse tempo a mãe não teve notícias do filho e não pode
saber até hoje o que aconteceu com ele naquele período. Disse que
fez exames para ver se o menino, que era tão pequeno na época, não
havia sofrido algum tipo de abuso, já que o pai era bêbado, viciado
em drogas e não tinha boas companhias. Não descobriu nada. O fato é
que o Júlio demorou muito mais do que o normal para aprender a falar
e a andar. Ainda hoje faz xixi na cama e tem muita dificuldade em
acompanhar os estudos. Inclusive a família tem certeza de que o
menino passou do 4º para o 5º ano por pena, pois não fazia nada na
aula e não sabia o conteúdo. Ele é um menino muito tímido,
franzino, mas briga bastante durante o recreio, envolvendo-se com
frequência em confusão.
Margarete
veio para Portão há 23 anos, por que aqui vivia uma avó e um tio.
A avó morava na frente da casa onde a família parceira vive hoje.
Atualmente a avó está em outro bairro e o Bruno, filho mais velho
da Margarete, vive com ela. O Júlio admira muito seu irmão mais
velho, pois era viciado em drogas e recuperou-se. Hoje trabalha,
estuda e comprou recentemente uma moto para ele. O Júlio se espelha
muito no irmão e tem ele como figura paterna, pois foi esse irmão
que cuidou muitas vezes do Júlio para a mãe poder trabalhar e é o
amigo que lhe dá conselhos até hoje.
A
família é católica, mas são bem abertos a outras teorias
religiosas. E isso é bom, porque há muitas igrejinhas (salões ou
templos) pela vila, e ela se dá bem com todos os vizinhos. Margarete
conta que até alguns anos atrás todos se conheciam na vila; hoje há
muita gente entrando e saindo dali. Poucos são os moradores antigos.
Diz que a rua continua até umas propriedades rurais. A rua segue por
chão batido e por casas que não tem luz nem água. E que bem lá no
fundo ainda moravam umas senhoras descendentes dos Moraes, mas não
tem certeza se ainda estão vivas e morando por lá. Muita gente veio
morar ali por causa das fábricas de calçados e invadiam as áreas
verdes. Mas sua casa é própria e escriturada, e conseguiram comprar
um carro melhor para a família, já que para o serviço de vendedor
do marido é bastante útil. Mas tudo é uma luta para eles. Tentam
dar de tudo aos filhos. Ela tenta compensar as necessidades que os
mais velhos passaram quando eram pequenos e tenta dar para a filha
tudo o que não teve. Mas preocupam-se demais com a educação das
crianças e cobram-lhes o estudo e as tarefas em casa. O casal vive
bem e o Júlio respeita muito o padrasto. Pois ele lhe cobra bastante
responsabilidade, mas também lhe dá o que precisa, além de
conversar muito com ele sobre as coisas que acontecem na família. O
casal às vezes vai ao clube Canto Lyra em Estância Velha, já que
acham que não há muitas opções de lazer na cidade e que aqui é
tudo muito caro. Às vezes visitam alguém ou vão a alguma praça
tomar chimarrão, além de acompanhar as crianças nos compromissos
do balé e do CTG. Sobre os problemas do bairro, eles sentem vontade
de participar de alguma
associação. Onde antigamente era o posto de saúde, no centro da
vila, hoje foi cedido o espaço para uma associação de bairros ser
criada, mas não há ninguém que se disponha a se envolver nesses
assuntos. Uma senhora bem ativa no bairro articulava algumas ações,
mas candidatou-se a vereadora há anos atrás e se decepcionou com o
baixo apoio que recebeu. Seu desgosto foi tanto que até se mudou de
lugar. E hoje em dia não há ninguém ali que se desponha a se
envolver em “politicagem”, ficando assim o bairro a mercê do
esquecimento dos políticos.
Margarete
sonha com uma vida melhor. Sonha em voltar a estudar e trabalhar na
área de enfermagem, mais especificamente com idosos, pois sente
muita pena do jeito como a sociedade trata seus velhos. Sonha em ver
seus filhos formados, com profissão e bem sucedidos. Sonha com o fim
de alguns conflitos vividos dentro da família e sonha com um país
melhor e mais justo para todo mundo.
Foi
de fato um prazer conhecer esta família e criar uma parceria, não
só de pesquisa e trabalho, mas também de amizade e compromissos
mútuos.
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